O tema Direito Médico é de grande relevância, uma vez que, entre os anos de 2001 e 2011 — por exemplo —, o número de processos ético-disciplinares instaurados, a partir de denúncias contra médicos, aumentou em 302%.
Isso considerado apenas o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).
Ainda, hoje, o Cremesp recebe, mensalmente, cerca de 300 novas denúncias.
E, ao contrário do que se possa imaginar, as queixas não se limitam, apenas, a casos envolvendo suposto erro médico, mas, também, qualquer questão ética, como: publicidade, remuneração, concorrência desleal, etc.
Fato é que, dentro da prática profissional do dia a dia, o médico está sujeito a ter sua conduta questionada, seja por pacientes, outros colegas médicos, hospitais e afins.
E, quando envolvido em uma denúncia por infração ética, é natural que o médico apresente sentimentos, como indignação e insegurança.
Para evitar ou, ao menos, reduzir tais reações passionais, é importante que o médico conheça os trâmites referentes ao processo ético-profissional, seus direitos e deveres, bem como os limites de abrangência deste tipo de procedimento.
Pensando em tudo isso, a Bueno Brandão Advocacia traz um guia sobre o Direito Médico. Continue a leitura e aproveite as informações!
O que envolve o Direito Médico?
O Direito Médico envolve as leis e suas aplicações, ao que diz respeito às atividades profissionais de médicos.
É importante ressaltar, desde já, que essa área do Direito não tem o objetivo de perseguir os médicos.
A intenção, na verdade, é de tornar as atividades muito mais claras e justas para ambas as partes: profissionais e pacientes.
Sendo assim, vale muito a pena se aprofundar no assunto e, com isso, ter muito mais segurança e tranquilidade para trabalhar!
Os princípios do Direito Médico
Os princípio do Direito Médico são mais abrangentes do que se imagina.
Para se ter uma ideia, a Constituição Federal (estabelecida em 1988), declara que é obrigação do Estado fornecer saúde para todos os cidadãos, sejam eles brasileiros ou estrangeiros.
Além disso, claro, existem outros princípios fundamentais. Nós separamos alguns deles, para te apresentar.
Confira:
Princípio do sigilo — os médicos devem, em toda e qualquer situação, manter sigilo sobre as informações de seus pacientes. Isso, sobretudo, se os dados puderem causar prejuízos à imagem dos pacientes.
Princípio da equidade — nesse caso, a lei diz que todas as pessoas (independentemente) de credo, cor e classe social ou qualquer outro aspecto, devem receber atendimento de qualidade.
Direito Médico x Direito Hospitalar
O Direito Médico, como vimos, é composto pelo conjunto de leis, que regulamentam o exercício da profissão dos médicos.
Já o Direito Hospitalar tem a ver com questões mais administrativas. Alguns exemplos disso são:
casos de injúria ocorridos dentro dos ambientes hospitalares;
questões a respeito das coberturas dos convênios médicos;
entre tantos outros.
Ou seja, o segundo caso (Direito Hospitalar) consegue ser ainda mais abrangente. Mas, de qualquer forma, um está atrelado ao outro.
Quando de fala, por exemplo, de erro médico (ocorrido em uma cirurgia), é comum que a discussão envolva o Direito Médico e o Direito Hospitalar.
Abrangência do Processo Ético
Em primeiro lugar, é importante destacar que o processo ético-profissional se limita, exclusivamente, à análise dos fatos sob a ótica do Código de Ética Médica e é de competência dos Conselhos Regionais de Medicina (CRM’s) e, em última instância, do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Portanto, as implicações no âmbito cível ou mesmo criminal são independentes, ainda que decorrentes dos mesmos fatos.
Em segundo lugar, o médico deve ter em mente de uma forma muito clara que vir a ser chamado a responder a um processo ético-profissional não equivale à presunção de culpa.
Trata-se, tão somente, de procedimento para apurar sua conduta à luz dos preceitos éticos da profissão, sendo-lhe garantidos todos os direitos constitucionais para sua defesa.
Lançadas estas duas premissas, passemos a uma análise do processo ético-profissional em si de uma forma simples e objetiva.
Direito Médico: como se inicia um processo no CRM
Qualquer procedimento se iniciará a partir de uma denúncia, que poderá ser feita de ofício.
(ou seja, por iniciativa própria do CRM) ou, de forma mais comum, pela pessoa interessada na instauração do processo: o paciente, um colega médico, o hospital, etc.
A denúncia jamais pode ser anônima e deve conter, obrigatoriamente, a identificação do denunciante, a exposição dos fatos, a qualificação do médico denunciado e indicação das provas documentais.
Como funciona o processo ético-profissional médico?
Recebida a denúncia pelo CRM, instaura-se um procedimento preliminar denominado sindicância.
Um relator designado deverá produzir um relatório onde qualificará as partes envolvidas, descreverá os fatos e apontará se, dos fatos narrados, se vislumbra possível descumprimento de algum preceito ético previsto no Código de Ética Médica pelo denunciado.
Na fase de sindicância, a manifestação do médico não é obrigatória, embora seja de praxe que alguns CRM’s notifiquem o profissional, para que tenha esta possibilidade.
Embora o próprio médico possa fazer suas manifestações em sede de defesa, é recomendável que possa contar já nesta fase com o apoio de um advogado (especialista em Direito Médico, claro).
Dependendo da conclusão do relatório inicial, a sindicância poderá:
1) ser desde logo arquivada, caso não haja evidência de infração ética;
2) ser proposta conciliação ou termo de ajustamento de conduta ou;
3) ser instaurado o processo ético-profissional, caso haja evidência de que possa ter ocorrido infração ética por parte do médico denunciado.
Destaque-se que a conversão da sindicância em processo ético-disciplinar não significa automaticamente que o médico fez algo de errado e, sim, que há circunstâncias que precisam ser melhor esclarecidas para que se chegue à verdade.
Caso seja instaurado o processo ético-profissional, o médico será citado para apresentar sua defesa escrita no prazo de 30 dias.
A citação é o ato formal pelo qual o médico é cientificado de que existe um processo ético-profissional contra si e que deve se defender. Normalmente, a citação é feita pelos Correios, com Aviso de Recebimento.
Nesta fase, é extremamente recomendável que o médico esteja assistido por um advogado.
O momento da apresentação da defesa escrita pelo médico é importantíssimo.
Isso porque, é nesse escrito, em que deverá indicar sua versão dos fatos, poderá impugnar fundamentadamente as infrações éticas que lhe estejam sendo imputadas, justificar sua conduta, apontar eventuais circunstâncias atenuantes.
Além disso, indicar provas e arrolar testemunhas que possam lhe ser favoráveis. Após a apresentação de defesa escrita, será designada a audiência de instrução processual.
Nesta audiência, serão ouvidos o denunciante, as testemunhas do denunciante e do denunciado e, por fim, o próprio médico.
Em seguida, será aberto prazo sucessivo de 15 dias para apresentação de alegações finais escritas, primeiro, pelo denunciante e, depois, pelo denunciado.
Encerrada a instrução, será finalmente designada a sessão de julgamento, data na qual serão apresentados os relatórios (resumos do processo) pelo conselheiro relator e pelo conselheiro revisor.
As partes (e/ou seus advogados) poderão fazer sustentação oral perante os julgadores.
O comparecimento do médico não é obrigatório, embora seja conveniente que esteja presente. Eventualmente, poderá ser chamado a se manifestar sobre algum ponto específico esclarecendo aspectos suscitados pelos conselheiros.
É importante que o profissional esteja calmo e procure responder aos questionamentos dos conselheiros de forma clara e objetiva.
Finalmente, os conselheiros irão proferir um a um seus respectivos votos quanto à culpabilidade do denunciado, à efetiva existência de infração ética e, eventualmente, quanto à pena a ser aplicada ao médico denunciado.
As penas disciplinares aplicáveis pelo CRM são as previstas no artigo 22 da Lei n.º 3.268/1957 e variam entre advertência e censura confidenciais, censura pública, suspensão do exercício profissional por até 30 dias.
Em casos extremos, pode haver a cassação do exercício profissional (esta última pena depende de convalidação do CFM).
No caso de condenação, o médico denunciado pode interpor recurso administrativo no prazo de 30 dias, o qual será dirigido ao Pleno do CRM ou ao CFM, dependendo do caso.
Quais as garantias do médico?
Embora o processo ético-profissional possa ser considerado um processo administrativo, o médico denunciado tem, à sua disposição, todos os direitos e garantias assegurados na Lei e na Constituição para defesa de seus interesses, destacando-se:
Princípio da presunção de inocência — o ônus da prova é de quem acusa, não sendo admitida a inversão do ônus da prova em desfavor do médico como ocorre no caso do Código de Defesa do Consumidor. No processo ético-disciplinar vigora o princípio in dubio pro réu. Na dúvida, absolve-se o denunciado, assim como no processo penal.
Princípio do devido processo legal — no desenrolar de todo o processo ético-profissional do Direito Médico, devem ser observados os trâmites expressamente previstos na legislação, prazos e ritos, sob pena de nulidade.
Princípio do contraditório e ampla defesa — o médico deve ter assegurada defesa no decorrer do processo (inclusive, por meio de defensor dativo, no caso de denunciado revel), acompanhando a produção de provas, ter a oportunidade de contestar as alegações da parte denunciante, usar dos recursos cabíveis, etc. Tal direito é pilar do Estado Democrático de Direito.
Intervenção da Justiça nos processos administrativos
Como regra, as esferas judicial e administrativa são autônomas e independentes. No entanto, caso o CRM não observe o trâmite legal previsto, ou não respeite as garantias e direitos processuais do médico, o denunciado poderá recorrer ao Judiciário.
A Justiça não irá adentrar no mérito da discussão (dizendo, por exemplo, se o CRM está certo ou errado ao decidir de determinada maneira).
Ao contrário, o Juiz se limitará a avaliar a legalidade do processo ético-profissional, se houve violação de alguma garantia ou princípio assegurado ao médico denunciado, se foram observados os prazos (inclusive prescricionais para processamento), entre outros.
Caso se verifique que houve violação a tais princípios e garantias, o processo ético-profissional eventualmente poderá ser anulado pela Justiça.
Conclusão
As breves considerações, que comentamos neste conteúdo, buscam desmistificar a noção do processo ético-disciplinar como um instrumento de perseguição ao profissional médico.
Muito pelo contrário, trata-se de procedimento que se presta, justamente, a buscar preservar a ética nas relações do médico para com seus pacientes, para com seus colegas médicos e para com a sociedade.
Ao mesmo tempo, há o cuidado em assegurar que, se porventura, o profissional tiver ele sua conduta questionada, ele não será punido sem causa justa e sem prévia observância a todas as garantias legais e constitucionais asseguradas para sua defesa.
Dado o aumento do número de denúncias, ano a ano, o mais importante é que o profissional médico procure conhecer seus deveres éticos por meio da leitura atenta do Código de Ética Médica.
Além disso, que procure buscar sempre, em sua atuação profissional, o respaldo de assessoria jurídica especializada como forma de preservar seus interesses.
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