O sistema de reajustes dos planos de saúde por mudança de faixa etária segue uma lógica simples: pessoas dentro de uma determinada faixa etária mais jovem tem uma probabilidade de apresentar problemas de saúde menor do que aquelas dentro de uma faixa etária composta por indivíduos mais idosos.
Assim, quanto mais jovem a pessoa – e portanto menos propensa a necessitar de serviços médicos especializados com frequencia -, menor o valor das mensalidades dos planos.
Em sentido contrário, quando mais idosa a pessoa, os valores aumentam paulatinamente como forma de remunerar os custos com despesas médicas que, com o avançar da idade, tendem a se tornar mais caras e corriqueiras.
Nesse sentido, o Conselho Superior de Saúde (CONSU) havia estabelecido originalmente, por meio da Resolução nº 06/98, que as operadoras de planos e de seguro saúde poderiam aplicar reajustes dentro de faixas etárias compreendidas entre os 17 e os 70 anos de idade.
Assim, era muito comum que os contratos dos planos de saúde previssem reajustes expressivos de acordo com a mudança de faixa etária, que em alguns casos atingem mais de 100%.
Ocorre que foi editada em 2003 a Lei nº 10.741, também conhecida como Estatuto do Idoso, que entrou em vigor no ano seguinte, “
(…) destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”.
Entre as significativas inovações trazidas pelo Estatuto, o artigo 15 estabeleceu ser “
(…) vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”.
Diante disso, e no intuito de adaptar os contratos de planos de saúde ao Estatuto do Idoso, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) definiu as faixas etárias obrigatórias às operadoras, por meio da Resolução Normativa nº 63/2003, sendo estabelecido que os aumentos entre faixas etárias poderiam se dar entre 18 e, no máximo 59 anos.
Vale dizer que, após os 60 anos, o indivíduo é considerado idoso nos termos da Lei nº 10.741/ 2003 e, como tal, não pode vir a sofrer cobrança de valores diferenciados por mudança de faixa etária a partir daí.
Grande discussão que surgiu, no entanto, diz respeito à incidência do Estatuto do Idoso e especialmente a questão da vedação de reajustes após os 60 anos de idade aos contratos firmados anteriormente à vigência da lei.
Sustentam os planos que uma lei posterior não poderia retroagir para atingir situações jurídicas consolidadas há anos, às vezes décadas, anteriormente à sua vigência.
Segundo a lógica das operadoras de saúde, se o indivíduo firmou conscientemente um contrato no qual sabia que haveria certos e predeterminados reajustes por idade, este contrato não poderia ser modificado pela incidência de legislação posterior.
Obviamente, a questão foi levada aos tribunais. De um lado as operadoras de planos de saúde defendendo a estrita observância do contrato e, de outro, centenas de milhares de consumidores idosos pleiteando a declaração de nulidade das cláusulas contratuais que previam reajustes em desconformidade com a legislação vigente.
Recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que o tema é muito importante e deve ser analisado pela mais alta corte do país.
Enquanto isso não acontece, os casos já analisados demonstram que os idosos tem ganho de causa na maioria das vezes.
O entendimento que vem se consolidando é no sentido de que o Estatuto do Idoso, por ser norma de grande abrangência e importância social, incide seus efeitos de regulamentação mesmo aos contratos firmados anteriormente à sua edição.
O próprio STF já se manifestou anteriormente no sentido de que “
(…) o consumidor que atingiu a idade de 60 anos, quer seja antes da vigência do Estatuto do Idoso, quer seja a partir de sua vigência (1º de janeiro de 2004), está sempre amparado contra a abusividade de reajustes das mensalidades com base exclusivamente no alçar da idade de 60 anos, pela própria proteção oferecida pela Lei dos Planos de Saúde e, ainda, por efeito reflexo da Constituição Federal que estabelece norma de defesa do idoso no art. 230”.
Além disso, deve-se considerar que o Código de Defesa do Consumidor também é aplicável aos contratos de planos de saúde (tanto novos quanto antigos), de forma que sempre que o consumidor for vítima de reajuste considerado excessivo e injustificado, lhe será possível discutir no Judiciário a validade de tais cláusulas.
Dessa forma, idosos atingidos por aumentos abusivos e extremamente onerosos podem adotar medidas judiciais para afastar a incidência de tais reajustes.
É certo que os consumidores, especialmente os idosos, que ao longo de muitos anos contribuíram – por vezes com esforço -, com o pagamento de planos de saúde, devem, no momento mais delicado de suas vidas, ter assegurado que os contratos observem sua função social, o que abrange a proteção ao idoso garantida no texto constitucional.
Artigo de Luciano Correia Bueno Brandão, advogado em São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil. Cursou “Prática de Processo Civil” junto ao Instituto de Pesquisa em Teoria Geral do Direito e Biodireito. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP). Membro efetivo da ”Comissão de Estudos sobre Planos de Saúde e Assistência Médica” da OAB, secção São Paulo. Autor de artigos e pareceres jurídicos.