Após dois anos de debates, entrou em vigor a partir de 13 de abril de 2010, a Resolução nº 1.931/2009 do Conselho Federal de Medicina (CFM), a qual introduz a sexta atualização do Código de Ética Médica, cuja primeira edição remonta a 1944 enquanto a última atualização data de 1988.
Embora a maioria das “inovações” já tenha sido abordada em Resoluções editadas ao longo dos anos pelo CFM, o objetivo do novo Código é sintetizar num único documento as estipulações de direitos e deveres dos profissionais médicos, bem como estabelecer orientações quanto a questões como as condições de trabalho, publicidade, relação médico-paciente, entre outras.
Além de aprimorar a redação dos dispositivos já existentes, houve uma evidente preocupação em buscar adequar o Código à novas realidades do exercício da Medicina e esclarecer conceitos eventualmente ambíguos.
Assim, o novo Código traz redação revista e atualizada para situações como: a necessidade de prévia comunicação do médico ao paciente ou seu representante legal caso deseje por motivos pessoais afastar-se do tratamento (Cap. 5, art. 36, §1º); o modo como o médico deve se portar em relação aos movimentos da categoria (Cap. 1, inciso XV), apoiando a defesa dos interesses da classe médica; a obtenção de consentimento do paciente sobre os procedimentos adotados em seu tratamento (Cap. 4, art. 22); a emissão de receitas somente após exame direto do paciente (Cap. 5, art. 37); as condições de elaboração e fornecimento do prontuário médico aos pacientes ou judicialmente (Cap. 10, art. 90); a vedação de limitação da indicação de tratamento pelas instituições de saúde (Cap. 1, inciso XVI); entre outras.
Outrossim, o novo Código foi além ao abordar questões como a proibição de interferência do médico no processo de fertilizações in vitro no que diz respeito à escolha do sexo e até mesmo da cor dos olhos dos bebês (Cap. 3 artigos 15 e seguintes). A partir daí, tem-se que o profissional não pode atuar na criação de seres humanos geneticamente modificados e tampouco intervir sobre o genoma humano, exceto no caso de terapia gênica voltada especificamente para o tratamento de doenças.
O novo Código trata também de questões relacionadas à publicidade do exercício da profissão, como a exigência de inclusão do número do CRM em anúncios (Cap. 12, art. 18); a vedação de participação de consórcios de serviços médicos ou emissão de cartões de descontos (Cap. 8, art. 72). O objetivo evidentemente é o de descaracterizar o exercício da Medicina como uma prática mercantilista.
No que tange à relação médico-paciente, o novo Código consignou expressamente que o profissional deve “aceitar as escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos” (Cap. 1, inciso XXI). Nesse tocante, o paciente poderia estabelecer “diretivas antecipadas em vida”, uma espécie de “testamento”, apontando quais tratamentos gostaria ou não de receber no caso de tornar-se gravemente enfermo e, inclusive, não puder vir a expressar sua vontade posteriormente.
Na verdade, um posicionamento por escrito tanto do paciente quando do médico, acerca dos procedimentos a serem administrados – e aqui destaca-se também a figura do consentimento informado, pelo qual o médico expõe os riscos e contraindicações de um procedimento obtendo a expressa anuência ou não do paciente -, consiste em garantia para todas as partes envolvidas.
Questão que certamente gerará polêmica diz respeito à inclusão expressa no novo Código de liberação ética (prevista em Resolução desde 2006), para que médicos recomendem e pratiquem a chamada ortotanásia.
Prevista no Cap. 1, inciso XXI, do novo Código, a prática permite ao médico que, diante de doença incurável ou terminal, limite-se a promover cuidados paliativos ao paciente, recomendando ainda evitar a realização de procedimentos desnecessários.
Nesse tocante, observa-se que há pendente de julgamento Ação Civil Pública ajuizada pela Procuradoria da República no Distrito Federal que justamente questiona a ética e a legalidade da prática da ortotanásia, tendo sido concedida liminar suspendendo a Resolução que autorizava a prática.
Este é apenas um exemplo de que, por mais que se busque regulamentar as práticas médicas, por estarem envolvidas questões de natureza ética, moral e legal, sempre haverá margem para questionamentos.
Na verdade, é saudável que assim seja, na medida em que o debate e o questionamento estão no âmago da democracia e permitem que a partir daí se definam valores e se aprimorem as normas.
Não obstante, é louvável a iniciativa do CFM e da classe médica como um todo de, após mais de vinte anos, buscar adequar o Código de Ética Médica à dinâmica da vida, à evolução das ciências, bem como às mudanças de paradoxos, evidentemente movidos no melhor interesse dos profissionais médicos, dos pacientes e da sociedade como um todo.
Artigo de Luciano Correia Bueno Brandão, advogado em São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil. Cursou “Prática de Processo Civil” junto ao Instituto de Pesquisa em Teoria Geral do Direito e Biodireito. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP). Membro efetivo da ”Comissão de Estudos sobre Planos de Saúde e Assistência Médica” da OAB, secção São Paulo. Autor de artigos e pareceres jurídicos.