Com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso, há exatamente dez anos, os planos de saúde ficaram proibidos de aplicar reajustes por faixa etária a partir dos 60 anos. Por isso, quando o cliente completa 59 anos, as empresas fazem a última correção com base em idade, com aumentos de até 138%. Embora em muitos casos tais percentuais estejam expressos em contrato, como determina a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), respeitem a Lei dos Planos de Saúde (1999) e a norma da reguladora, que limita o valor da mensalidade da última faixa a até seis vezes o da primeira - ou seja, a mensalidade a partir dos 59 anos pode custar até 500% mais do que a que se paga até os 18 anos -, tais reajustes assustam o consumidor e podem inviabilizar financeiramente a manutenção do contrato. Quem tenta argumentar com a empresa recebe um “não” sobre a possibilidade de redução ou fica sem resposta. Para alterar o reajuste, só entrando na Justiça com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Para Joana Cruz, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), na prática, antecipou-se o aumento dos 70 anos para os 59 anos e não se resolveu a questão do reajuste alto por mudança de faixa etária. Segundo ela, tais aumentos acontecem num momento que, em geral, a pessoa acaba de ter sua renda reduzida, devido à aposentadoria, pondo em xeque a manutenção de um serviço pago há anos. Pesquisa do instituto identificou que, se forem mantidas as atuais taxas de reajuste por faixa etária e anual, um beneficiário com 30 anos hoje, ao chegar aos 60, comprometerá, em média, 70% de sua renda só para se manter no plano.

- Por mais que as taxas de reajuste por faixa etária estejam em contrato e dentro das normas da ANS, sua legalidade pode ser questionada com base no CDC, que prevê a revisão de cláusulas de adesão, já que a pessoa não tem oportunidade ou conhecimento para discutir sua abusividade ao assinar o documento. Qual é a chance de questionar um aumento de 80% e a empresa mudar? O consumidor fica em posição de vulnerabilidade e hipossuficiência, por não ter técnicas, condições financeiras ou poder de barganha.

Aumento aos 56 anos

Foi o que aconteceu com o empresário Adelson Gonçalves dos Santos. Cliente da Marítima Saúde desde abril de 1996, ele foi surpreendido com um reajuste de 138% ao completar 56 anos. A mensalidade de seu plano saltou de R$ 470,28 para R$ 1.120. Como não conseguiu negociar, Santos recorreu à Justiça, que reduziu seu aumento para 30% (R$ 611,36) e proibiu novas correções por faixa etária.

- Pouco antes de mandarem o boleto de janeiro de 2013, recebi uma carta informando que era um reajuste por faixa etária. Liguei para o SAC, tentei argumentar, mas disseram que o valor estava correto.

O casal Eduardo e Paulina Gonik pagava R$ 702, cada um, por um plano por adesão da SulAmérica Saúde. Em julho, quando o analista do mercado financeiro completou 59 anos, o dele passou para R$ 1.515 - alta de 116%. Em outubro, mês em que a arquiteta fez 59 anos, foi a vez de a mensalidade dela chegar ao mesmo valor. O casal recorreu à Justiça contra a alta.

- Mandei um e-mail, mas não recebi resposta. Como uma pessoa pode ter um aumento de mais de 100% num país onde a inflação é de 5%? Quase não usamos o plano, é um absurdo - diz Gonik.

A comerciante Maria Helena Alves de Almeida também está na Justiça contra a SulAmérica. Ao fazer 59 anos, seu plano aumentou 89%: de R$ 801,69 para R$ 1.515,10. Ela levou o caso diretamente à Justiça e conseguiu uma liminar reduzindo o reajuste para 43%. A empresa, no entanto, ainda não cumpriu a decisão.

- Que trabalhador tem um aumento de 89% de um mês para o outro? Não querem saber se a pessoa pode ou não pagar. Mas quando reduzem a rede, o valor da mensalidade não cai. Aumentar pode, reduzir não? - indaga.

Já Francisco Alves, cliente Amil via plano da empresa que tem com a mulher e o filho, viu sua mensalidade saltar 88,10% ao completar 59 anos: de R$ 583,14 para R$ 1.096,92. Em contato com o SAC, foi descartada qualquer redução.

Segundo Luciano Correia Bueno Brandão, do escritório Bueno Brandão Advocacia, especializado em planos de saúde, a jurisprudência atual limita os aumentos a cerca de 30%.

De acordo com a ANS, o aumento por mudança de faixa etária acontece porque, em geral, quanto mais idosa a pessoa, mais necessários e frequentes são os cuidados com a saúde. As faixas variam conforme a data de contratação do plano e seus percentuais precisam estar no contrato. O objetivo de se estabelecer preços distintos para cada faixa, diz a reguladora, é equilibrar financeiramente o plano. Mas, para o advogado Julius Conforti, a última faixa deve ser condizente com a realidade dos aposentados:

- Os benefícios pagos aos aposentados sofrem reajustes infinitamente inferiores a 80%, 90%, e isso deve ser considerado pela ANS para alterar as regras da aplicação do reajuste por idade. Nas faixas anteriores, em que a utilização dos serviços tende a ser menor, os consumidores também são onerados com reajustes, que geram expressivos lucros para as operadoras.

José Luis Barroca, diretor adjunto de Produtos da ANS, discorda da ideia de aumento abusivo. E argumenta que o cenário atual representa grande avanço, já que, antes da Lei dos Planos de Saúde, havia variação de até 33 vezes entre a primeira e a última faixas etárias, além de reajustes anuais após os 70 anos.

- Não defendo que é bom um aumento de 80% na última faixa, mas temos que olhar o todo do contrato. Defendemos a pessoa idosa. Há mais de 5,5 milhões de pessoas com mais de 60 anos em planos de saúde (de 50 milhões de beneficiários). Se a legislação fosse expulsória ou penalizasse o idoso, o número seria bem menor.

O que dizem as empresas

A Marítima Saúde esclarece que, segundo a regra do contrato de seu segurado, não há reajuste entre 18 a 55 anos e isso gera uma atualização aos 56 anos, o último por faixa etária previsto no contrato. E ressalta que o percentual está registrado na ANS.

A SulAmérica não comenta casos na Justiça. A superintendente Regulatória de Saúde da empresa, Monica Nigri, afirma que a taxa de reajuste etário está em todos os contratos, mas reconhece que, quando o boleto chega, o consumidor se assusta:

- Temos a preocupação de informar e esclarecer. Antes do CDC não havia a porcentagem de reajuste em contrato.

A Amil afirma que segue rigorosamente as determinações da Lei dos Planos de Saúde e da ANS e que no contrato em questão, de 2005, o reajuste estava previsto e era conhecido desde a assinatura.

Segundo a Federação Nacional de Saúde Suplementar, o reajuste restabelece o poder de compra dos contratos, diante da aceleração da inflação do setor, por incorporações de procedimentos, tratamentos e tecnologias, muitos sem a avaliação de custo-benefício. A Associação Brasileira de Medicina de Grupo destaca que o aumento da expectativa de vida agrava o risco face as limitações da regulamentação.

Com informações do Jornal O Globo