No ensejo do dia mundial da conscientização do autismo, celebrado anualmente no dia 02 de abril, trazemos algumas linhas sobre os direitos dos pacientes e deveres dos planos de saúde em cobrir as despesas com o tratamento e estimulação das pessoas diagnosticadas com TEA (Transtorno do Espectro Autista).
Nos termos da Lei 12.764/12 que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, “podemos conceituar o transtorno do espectro autista como uma síndrome clínica caracterizada por uma deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação social, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social, padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns”.

 

Para os pacientes com TEA (autismo), quanto mais estímulos, maior será o desenvolvimento para uma vida independente e autônoma, dessa forma, o tratamento desse Transtorno Global do Desenvolvimento deve envolver inúmeros profissionais da área de saúde e educação, tais como neurologista, psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, psicopedagogo, dentre outros, realizando o acompanhamento terapêutico e intervenções como equoterapia, hidroterapia para potencializar o desenvolvimento dos pacientes com autismo.

Dentre as terapias, o método ABA (Applied Behavior Analysis – Análise do Comportamento Aplicada, em português) tem sido apontado como o mais promissor no tratamento de indivíduos com TEA (autismo) e estudos apontam que cerca de 50% das crianças que participaram de tratamento ABA de forma intensiva atingiram funcionamento típico após dois a quatro anos de terapia, e outras 50% obtiveram ganhos significativos em comunicação, contato social e tarefas de auto-cuidado.

A Terapia ABA, observa, analisa e explica a associação entre o ambiente, o comportamento humano e a aprendizagem. É a ciência da mudança de comportamento na qual procedimentos oriundos dos princípios da aprendizagem operante são aplicados para melhorar o comportamento socialmente adaptável e a aquisição de novas habilidades, através de práticas intensas e reforço direcionado.

A ABA utiliza um processo que começa com o desenvolvimento de planos de tratamento, mostrando o motivo e a função de excessos e deficiências de comportamento, seleção de técnicas apropriadas, e modificação e avaliação contínuas do tratamento através de coleta de dados sistemática. As avaliações funcionais de comportamento são um conjunto de avaliações de estratégias que fornecem informações sobre as variáveis associadas com um comportamento específico.

Os pacientes diagnosticados com TEA tem o direito de receber esse tratamento e, consequentemente, os planos de saúde têm o dever em cobrir as despesas com o tratamento, porém, os planos de saúde corriqueiramente negam ou restringem a cobertura destas terapias, sendo tal conduta considerada absolutamente abusiva.

A Lei nº 9.656/98, que regulamenta a atividade das operadoras de planos e seguros saúde, traz em seu rol de coberturas mínimas a obrigatoriedade de fornecimento de tratamentos a todas as doenças reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
O Conselho Federal de Medicina também editou Resolução nº 1.401/93 onde aponta que "as empresas de seguro-saúde, empresas de Medicina de Grupo, cooperativas de trabalho médico, ou outras que atuem sob a forma de prestação direta ou intermediação dos serviços médico-hospitalares, estão obrigadas a garantir o atendimento a todas as enfermidades relacionadas no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de saúde, não podendo impor restrições quantitativas ou de qualquer natureza". O texto foi incorporado pelo Poder Legislativo do Estado de São Paulo, por meio da Lei Estadual nº 9.495/97.

 

Além disso, a Lei 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista, prevê a obrigatoriedade do fornecimento do tratamento multiprofissional ao paciente diagnosticado com autismo.

Deste modo, os planos de saúde são obrigados a fornecer os tratamentos prescritos aos seus beneficiários que foram diagnosticados com as doenças relacionadas a CID 10, entre elas, o Transtorno do Espectro Autista.

Importante registrar que esse atendimento, prioritariamente, deve ser fornecido por profissionais que componham a rede credenciada, porém, se não houver profissionais credenciados com especialização no atendimento de pacientes com TEA, no município de residência do paciente, “a operadora deverá reembolsá-lo integralmente no prazo de até 30 (trinta) dias, contado da data da solicitação de reembolso, inclusive as despesas com transporte”, conforme art. 9º, da Resolução ANS nº 259/11.

Desse modo, as corriqueiras justificativas apresentadas pelos convênios de que os tratamentos indicados não possuem previsão contratual ou no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde (ANS), são consideradas abusivas pela Justiça.

Atualmente, o entendimento que prevalece no Judiciário é no sentido de que coberta a doença, todo o tratamento deve ser garantido independentemente de constar expressamente no rol de procedimentos editado pela ANS e sem qualquer limite no número de sessões.

Vale destacar que os contratos de planos de saúde estão sujeitos à proteção conferida pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo que todas as cláusulas restritivas que imponham desvantagem excessiva e comprometam a própria essência do contrato são consideradas nulas de pleno direito.

Diante disso, é imperativo que os pais e representantes legais de crianças e jovens com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista tenham ciência de que, havendo indicação médica expressa, todas as terapias necessárias para permitir e potencializar um pleno e completo desenvolvimento dos pacientes devem ser cobertas pelos planos de saúde, sem limitação temporal ou de número de sessões.

Em casos de negativas indevidas, é possível recorrer à Justiça, que tem sido amplamente favorável aos pacientes no sentido de determinar a cobertura do tratamento.

 

*Artigo de Luciano Correia Bueno Brandão, advogado especialista em planos de saúde e César Eduardo Lavoura Romão, advogado e professor na Faculdade de Direito da FMU. Ambos são integrantes do IN Law, núcleo jurídico do IN Movimento Inclusivo, grupo de pesquisa que se dedica ao estudo dos direitos da pessoa com deficiência (www.inmovimentoinclusivo.net.br)