Plano de saúde tem que cobrir home care mediante indicação médica




Doenças incapacitantes como o Acidente Vascular Cerebral (AVC), infartos severos, demência, Parkinson, doenças pulmonares crônicas ou osteoarticulares são apenas alguns exemplos de enfermidades que implicam numa drástica limitação do indivíduo e acarretam a necessidade de um acompanhamento constante.

Normalmente são pacientes idosos que padecem com tais males, mas os mais jovens também estão expostos a todo tipo de trauma incapacitante. Nesse sentido, basta mencionar que os acidentes de trânsito são responsáveis por 42% do número de pacientes que sofrem lesões medulares e vem a apresentar quadros de paraplegia ou tetraplegia, demandando por assistência ininterrupta.

Na maioria dos casos, após uma fase crítica normalmente controlada nos hospitais, os pacientes apresentam um quadro de estabilização e não necessitam de internação hospitalar, porém apresentam um altíssimo grau de dependência para as funções mais básicas.

Nesse contexto, ganha relevância o sistema de internação domiciliar ou home care, como é comumente conhecido e vem sendo amplamente aplicado pelas operadoras de planos de saúde e seguradoras.
Com efeito, as despesas com atendimento domiciliar de um paciente chegam a ser 60% menores do que as despesas com uma internação hospitalar, pois não envolve custos como lavanderia, alimentação e alguns tipos de medicamentos, por exemplo.

Além da questão de economia de recursos, o tratamento domiciliar permite a recuperação do paciente num ambiente familiar, o que evidentemente traz benefícios à sua recuperação.

A ponderação que se faz, no entanto, é se os planos de saúde e seguradoras estão legalmente obrigados a arcar com os custos decorrentes do tratamento domiciliar.

Com efeito, em muitos casos os contratos fazem expressa menção à exclusão de cobertura de atendimento domiciliar e, em outros tantos casos, os contratos simplesmente são omissos nesse tocante.

Diante disso, é necessário avaliar a natureza e o contexto em que se insere a necessidade do atendimento domiciliar pois, em diversas ocasiões, planos e operadoras de seguro saúde pretendem eximir-se da cobertura de tais despesas.

Nos casos em que há expressa exclusão contratual, obviamente que, inicialmente, deve prevalecer o princípio pelo qual o que foi contratado faz lei entre as partes.

Assim, se o contrato não prevê – ou exclui expressamente -, atendimento de natureza domiciliar (como consultas, colheita de material para exames, ou prestação de determinado atendimento na residência do paciente etc), obviamente o paciente não poderá exigir, para sua mera comodidade, que o serviço seja prestado no âmbito de sua residência.
Situação diferente, no entanto, tem-se quando o tratamento domiciliar não se dá por mera conveniência do paciente, mas, sim, decorre de uma extensão da internação hospitalar em virtude de sequelas de uma determina da intercorrência.

A título de ilustração, tome-se um paciente vítima de um derrame cerebral, que tenha suas funções motoras totalmente comprometidas.

Talvez esse paciente não precise de internação hospitalar. Contudo, evidentemente estará sujeito a necessidade de acompanhamento ininterrupto por tempo indeterminado.

Possivelmente necessitará de sessões de fonoaudiologia e fisioterapia. Fará uso de nebulização e se alimentará por meio de sonda nasogástrica ou nasoenteral.
Necessitará de enfermagem para administração de medicamentos, manipulação de sondas e cateteres, mudança de decúbito, curativos, monitoramento das funções vitais, etc.

Diante de tal quadro e havendo indicação médica, quer haja ou não expressa previsão contratual excluindo a cobertura de atendimento domiciliar, tal imposição não pode prevalecer e a cobertura é exigível.

A nosso ver, prestar um serviço de forma parcial ou incompleta equivale a não prestá-lo. Nos casos em que o tratamento domiciliar se mostrar como verdadeira extensão ou desdobramento da internação hospitalar, deve haver cobertura integral dos procedimentos necessários.

Da mesma forma, não há o que se falar em limitação temporal da prestação do atendimento domiciliar, que deve persistir enquanto houver necessidade.
Diante de eventual negativa por parte das operadoras na cobertura das despesas com o home care, o paciente ou seus familiares tem recorrido ao Judiciário.

Atualmente, a posição majoritária dos tribunais é no sentido de reconhecer que as operadoras de planos e seguros saúde tem o dever de cobrir o tratamento sob a modalidade de home care.

Com efeito, já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar casos semelhantes que "(...) o home care seria uma forma especial de internação, com diversas vantagens, tanto para o paciente em razão do menor risco de infecções, quanto para a seguradora, haja vista o menor custo de manutenção do regime" (Al 314.691.4/1, Rel. Des. Quaglia Barbosa; Al 235.507.4/8, Rel. Des. Marcondes Machado).
Ponderou-se ainda que "(...) se o paciente não tem escolha e o trato de sua moléstia não está excluído pelo contrato, negar o serviço domiciliar importará, inevitavelmente, negar a proteção contratual, porque a internação hospitalar, para o mesmo fim, certamente o médico não recomenda e a seguradora, mais, ainda negaria" (Al 325.974.4/9, Rei. João Carlos Saletti).

A jurisprudência pacificada sobre o tema levou o Tribunal de Justiça de São Paulo a editar a Súmula nº 90 (posicionamento consolidado do Tribunal acerca de determinado assunto), segundo a qual: “Havendo expressa indicação médica para a utilização dos serviços de home care, revela-se abusiva a cláusula de exclusão inserida na avença, que não pode prevalecer”.

Também o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro consolidou entendimento sobre o tema por meio da Súmula nº 338: "é abusiva a cláusula contratual que exclui o tratamento domiciliar quando essencial para garantir a saúde e a vida do segurado".

O tema certamente carrega peculiaridades que devem ser analisadas caso a caso, porém tem-se que, nas hipóteses em que o tratamento domiciliar for indicado como uma extensão ou desdobramento da internação domiciliar, nada justifica a recusa de cobertura pelas operadoras de planos e seguros saúde já que, em última análise, essa forma de internação traz benefícios tanto para o paciente – que será tratado em ambiente familiar -, como para as empresas operadoras de planos de saúde e seguradoras – considerando a enorme redução de custos, atendendo-se assim a contento a própria função social do contrato

Artigo de Luciano Correia Bueno Brandão, advogado em São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil. Cursou “Prática de Processo Civil” junto ao Instituto de Pesquisa em Teoria Geral do Direito e Biodireito. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP). Membro efetivo da ”Comissão de Estudos sobre Planos de Saúde e Assistência Médica” da OAB, secção São Paulo. Autor de artigos e pareceres jurídicos.