Dentro do sistema de seguridade social vigente no país, a lei garante que o indivíduo “(...) considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência ” poderá requerer o benefício de aposentadoria por invalidez.

A legislação garante ainda que os aposentados (ou pensionistas) portadores de doenças graves como “(...) tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação e síndrome da imunodeficiência adquirida ”, poderão requerer a isenção do Imposto de Renda.

Nos termos da legislação, no entanto, a isenção se aplica somente aos rendimentos recebidos por pacientes com doenças graves a título de aposentadoria, pensão ou reforma, salvo quando o paciente (trabalhador) esteja afastado de sua atividade profissional por auxílio-doença ou auxílio-acidente.

Assim, o paciente que, embora portador de uma doença grave, permanece inserido no mercado de trabalho e exercendo atividade remunerada – seja por opção ou por necessidade de subsistência -, não é, em regra, beneficiado pela isenção legal.

Cria-se, assim, uma perniciosa situação de desigualdade entre pacientes que padecem de uma mesma doença – e estão sujeitos ao mesmo sofrimento e dificuldades -, utilizando-se como critério para concessão do benefício de isenção, única e exclusivamente, o fato de o paciente estar ou não aposentado.

A verdade é que a legislação em vigor, editada na década de 80, representa uma realidade comum à época, no sentido de que o diagnóstico de doenças graves como câncer, por exemplo, representavam quase que uma sentença de morte.

Nos anos 70, nem metade dos pacientes conseguia se curar de um câncer de mama. Hoje, se descoberto bem no comecinho, 95% vencem a doença.

Há 30 anos, só 45% dos pacientes se curavam de um câncer de próstata. Hoje, quase todos conseguem.

O câncer de intestino é um dos que mais crescem no mundo. Até a década passada, 55% dos doentes conseguiam se curar. Hoje, o índice de sucesso para quem descobre logo no começo chega a 96%.

A questão, portanto, é que hoje, um paciente diagnosticado com uma doença grave como o câncer, por exemplo, não se torna automaticamente um inválido que deve se recolher em sua casa e esperar pela morte.

Os pacientes atualmente enfrentam a doença com uma grande expectativa de cura, e em muitos casos podem – e devem -, permanecer trabalhando, sentindo-se úteis e produtivos para si e para a sociedade.

Nem por isso, no entanto, estes pacientes em atividade não passarão pelas mesmas dificuldades de um paciente aposentado (ou pensionista).

Os custos de medicamentos, bem como o acesso às técnicas mais modernas de tratamento ainda são proibitivos para a maioria dos brasileiros. Apenas 25% da população possui planos de saúde privados.

Diante disso, o espírito da lei que é o de proteger os pacientes portadores de doenças graves, em particular o câncer, deve abranger não apenas os pacientes aposentados, como também aqueles que se mantém inseridos no mercado de trabalho e auferindo rendimentos com seus esforços.

A legislação, tal como é hoje, cria uma situação de flagrante desigualdade que afronta os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana.

Diante disso, muitos pacientes tem recorrido ao Judiciário para buscar obter o benefício da isenção e atualmente algumas decisões judiciais já se mostram sensíveis à situação.

Recentemente, o juiz federal Hamilton de Sá Dantas, titular da 21ª Vara no DF, deferiu o pedido de antecipação de tutela para suspender a cobrança de Imposto de Renda Pessoa Física de um trabalhador ativo portador de câncer.

No entendimento do magistrado, “(...) se o legislador procurou trazer a isenção do Imposto de Renda aos aposentados e reformados, no intuito de aliviar os encargos financeiros relativos ao acompanhamento médico e dos gastos com medicação, é evidente que o trabalhador ativo, que se descobre portador de grave doença, tem o sacrifício ainda mais acentuado, ao dividir seu tempo, suas energias físicas e suas finanças com o horário de trabalho, os afazeres laborais, transporte para ir e voltar ao local de trabalho, conciliando tudo isso com despesas hospitalares, tratamentos médicos desgastantes e sofrendo o abalo psicológico proveniente das incertezas quanto à sua saúde ”.

O juiz também ressaltou em sua decisão que a legislação e a jurisprudência têm se sensibilizado com os portadores de moléstias graves sob o fundamento de que a Constituição Federal traz, como garantia, o direito à vida, à saúde e à dignidade do ser humano. “A disponibilização de maior poder aquisitivo ao enfermo possibilita o melhor atendimento das suas despesas médicas e aumenta as chances de sobrevida”.

Diante disso, enquanto as distorções da lei não são devidamente corrigidas, o Judiciário se mostra um caminho para buscar garantir o equilíbrio entre casos idênticos que, pela lei, recebem tratamento diferente em virtude de critérios discriminatórios.