Planos de Saúde e a negativa de cobertura por doenças pré-existentes

Negativa de cobertura por doença preexistente é uma das principais queixas de usuários de planos de saúde

É muito comum que pacientes, ao submeterem a seus planos de saúde a requisição de cobertura a determinados tratamentos ou procedimentos, recebam negativa de cobertura sob a alegação de doenças preexistentes.

O que é doença preexistente?

Mas afinal, o que é doença preexistente e qual o seu sentido dentro da legislação que regulas os planos de saúde e os direitos do consumidor?

Antes de mais nada, é importante esclarecer que, do ponto de vista estritamente médico, não há conceito que defina a noção de “doença preexistente”.

Com efeito, essa noção foi criada pelas empresas operadoras de planos e seguro saúde como uma forma de afastar a cobertura de doenças que o consumidor eventualmente já possuísse anteriormente à contratação do plano ou seguro saúde.

De fato, a legislação atual incorporou tal premissa conceituando a doença preexistente como “aquelas que o consumidor ou seu responsável saiba ser portador ou sofredor à época da contratação do plano” (Art. 1º, Resolução nº 2, CONSU).

O fato de uma patologia vir a ser considerada preexistente ou não incide diretamente sobre os prazos de carências a serem observados.

Como funcionam os prazos de carência

Enquanto ordinariamente o prazo máximo de carência para procedimentos médicos complexos seja de até 180 dias contados a partir da contratação do plano, se a patologia do paciente for considerada preexistente à contratação, o prazo de carência pode ser de até 24 meses.

O objetivo de tal normatização seria evitar que o indivíduo, sabedor do fato de sofrer de alguma patologia (que possivelmente demandaria tratamento de alto custo, internações, procedimentos cirúrgicos, etc), viesse a contratar o plano de saúde exclusivamente para garantir o tratamento.

Ocorre que, embora a princípio legítima a premissa, é muito difícil, para não dizer impossível, determinar quando uma doença não congênita passa a se manifestar.

O resultado foi lamentável: as empresas de planos e seguro saúde passaram a considerar indiscriminadamente uma grande gama de doenças como preexistentes, utilizando esse argumento para negar – em muitos casos indevidamente -, a cobertura de tratamentos e procedimentos médicos para pacientes com AIDS, câncer, obesidade, entre outras patologias não congênitas.

Um grande número de ações judiciais levou o Judiciário a se posicionar acerca da questão, bem como a uma normatização por parte dos órgãos como o CONSU e a ANS.

Atualmente, o prazo máximo de carência de até 24 meses somente pode ser imposto pelas empresas de planos de saúde se estas comprovarem: (i) que a doença efetivamente era preexistente à contratação do plano e (ii) que o consumidor sabia de sua condição e ocultou tal fato no momento da contratação.

De fato, em virtude do princípio da boa-fé que deve nortear as relações contratuais, se o indivíduo tinha ciência no momento da contratação de ser portador de determinada patologia, nada mais justo do que ser exigível a sua declaração naquele momento.

Se deliberadamente houver omissão ou ocultação por parte do consumidor acerca de doença da qual saiba ser portador, o contrato poderá vir a ser suspenso ou cancelado.

Por outro lado, tem predominado em nossos tribunais o entendimento de que cabe aos planos de saúde – inclusive por possuírem melhores condições técnicas -, exigirem, se for o caso, a realização de perícia médica após a entrevista qualificada que precede a contratação.

Se não o fazem, não podem, posteriormente, alegar a negativa de cobertura por tratar-se de doença preexistente.

O que diz a Justiça

“AGRAVO REGIMENTAL. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA. DOENÇA PREEXISTENTE. BOA FÉ E AUSÊNCIA DE EXAME PRÉVIO. RECUSA. ILÍCITA. DECISÃO UNIPESOAL ART. 557, CPC. – E ilícito ao relator negar seguimento a recurso que esteja em descompasso com a jurisprudência do STJ. É ilícita a recusa da cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente à contratação do seguro-saúde, se a Seguradora não submeteu a segurada a prévio exame de saúde e não comprovou a má-fé. Precedentes. (AgRg no Ag 973.265/SP, Rei. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ17.3.08).”

“Não é possível presumir-se a má-fé da segurada sobre a pré-existência da doença sem respaldo em prova técnica e, ainda, neste caso, sem que sequer tenha sido alegada e demonstrada pela seguradora” (Resp 617239/MG, Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, j . 14/09/2004).

Assim, o ônus da prova acerca da eventual preexistência de doenças e da má-fé do consumidor em ocultá-las ou omiti-las recai sobre as operadoras de planos e de seguro saúde que devem se cercar das cautelas necessárias no momento da contratação, se for o caso.

Se no momento da contratação a mera entrevista qualificada é tida por suficiente e nenhuma ressalva se faz quanto às restrições decorrentes de eventual doença preexistente, não podem as operadoras, posteriormente, se furtarem à cobertura dos procedimentos e tratamentos a que o consumidor venha eventualmente a necessitar, observados os prazos ordinários de carência, sob pena de ser passível a questão de ser apreciada pelo Poder Judiciário.

Artigo de Luciano Correia Bueno Brandão, advogado em São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil. Cursou “Prática de Processo Civil” junto ao Instituto de Pesquisa em Teoria Geral do Direito e Biodireito. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP). Membro efetivo da ”Comissão de Estudos sobre Planos de Saúde e Assistência Médica” da OAB, secção São Paulo. Autor de artigos e pareceres jurídicos.

 

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